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16 de outubro de 2021

Convivendo com Alzheiner do meu pai


 

Hoje estou chorando. Agora consigo lembrar do meu pai andando saindo para se divertir com minha mãe, dirigindo. Ele passou praticamente 20 anos em seu quarto. Saia só para ir ás consultas. Ia na cozinha, na sala, antes de dormir rodava a casa toda para ver se estava tudo fechado. Ele esperava deitarmos, aí só ouvíamos o barulho do andador.  Se perguntávamos se ele estava precisando de algo ele falava com aquele vozeirão: “Vai dormir”.

          Eu estava relendo minhas postagens. Chorei muito. Ele estava nos enlouquecendo nos últimos anos. Tinha crises de demência pós cirúrgica e passou a ter um comportamento diferente que nos enlouquecia. Perguntei várias vezes, para todos os médicos dele se não era um início de Alzheimer. Todos falavam que não, que era da velhice, ou da anestesia, que ia passar. Não passou.

          Com a pandemia, passamos a ajudar menos minha mãe. Meu filho trabalhando em lugar de risco, eu ficava sempre com medo de ter sido contaminada, minha irmã também, e ainda por cima ela estava cuidando dos netos porque as escolas estavam com aulas online. Minha mãe ficou sobrecarregada, mas fisicamente, meu pai estava melhor, ia ao banheiro sozinho, devagar, com andador... mas ia. Tinha a empregada e às vezes , quando precisava, cuidadora. A sim, tinha os Home Care que ia enfermeira, fisioterapeuta e médico vê-lo

          Um dia eu dei um ataque. Queria uma avaliação séria, precisa. Pagamos uma consulta com um geriatra maravilhoso. Falamos para ele ir na minha mãe e fingir que tinha ido visitar. Ele foi, achou meu pai bem e disse que a demência dele podia ser por falta de beber água e por causa das infecções urinárias recorrentes. Examinou, deu umas orientações e disse que voltaria para um retorno e reavaliar.

          No retorno, ele trouxe uns testes. Fez os testes no meu pai e eu fiquei chocada. As respostas me fizeram chorar. A cabeça dele estava ruim. Ele achava que morava naquela casa a 4 meses, queria voltar para a casa dele. Não soube fazer todas as operações. Este teste é bem interessante.

          Terminado os testes o médico disse que ele estava no grau 2 do Alzheimer e que por meu pai ser muito inteligente e culto, disfarçava e os profissionais não percebiam. Ele conseguia disfarçar, substituir palavras que esquecia por ser um leitor voraz.

          Chorei. Eu sabia que ele estava demente, ninguém me ouviu. Aquele comportamento que nos enlouquecia não era normal, não era meu pai. Tudo fez sentido. A gritaria, a tortura psicológica que ele nos fez era da demência. Nos chamava sem parar para nada, não nos deixava dormir, assistir TV, ler, nada. Precisava de atenção 24h.

          Alzheimer provoca mudança de comportamento:


·        Dificuldade para tomar decisões;

·        Perda de interesse nas atividades que antes eram prazerosas;

·        Mudanças de humor;

·        Alteração na personalidade e

·        Mudanças nas habilidades visuais e espaciais.

·        Pode ter alucinações;

·        Pode se perder até mesmo dentro de casa;

·        Repete constantemente as mesmas perguntas;

·        Apresenta agressividade;

·        Apresenta problemas de coordenação motora, que acarretam em dificuldades para realizar tarefas simples e

·        Apresenta agitação constante.


        Esta doença é triste. Começamos a perder meu pai antes do falecimento.

Mas tinha momentos lindos de lucidez, conversávamos muito. Ele contou tantas histórias da adolescência, da juventude dele para mim ultimamente.

Tinha interesse no que estávamos fazendo. Sempre perguntava porque sumíamos. Eu explicava sobre a pandemia de novo, toda vez. As vezes ficava irritado porque estávamos de máscara e ele não entendia o que falávamos. Mas ao mesmo tempo ele tinha muito medo de pegar Covid. Tinha dia que ele estava bem, mas ele chamava minha mãe uma 50 vezes por dia (ela contou).

Toda hora ele gritava: _ Alguém? Alguéém? Rsrs . Queria atenção e que arrumasse a TV. Ele a desconfigurava várias vezes por dia,

Mas ele estava tão doce de junho para cá. Ele sabia que morreria este ano. Eu acreditava, porque a cada semana eu sentia ele mas apático. Dizia que não chegaria ao ano 2000. Eu falava que estávamos em 2021 e ele assustava, sempre.

O pior é que eu quase não estou enxergando, não consigo mais dirigir e tenho dificuldade para pegar Uber, não enxergo a placa. Quando o carro para perto de mim, tenho que chegar perto da placa para conferir. A noite é impossível. Então estou muito dependente do meu filho me levar e buscar. Isto fez que eu fosse menos ainda ver meus pais este ano. Quando eu dirigia, eu ia quase todos os dias. Pandemia mas dificuldade  de enxergar me fez ver menos meu pai nestes tempos.

Quando meu pai foi diagnosticado com Alzheimer, eu comprei 3 livros com atividades que eu faria com ele para exercitar a mente e um baralho com exercícios diários para.  Os livros chegaram no dia que descobrimos que ele tinha pegado Covid. No meu coração eu sabia que não teria a chance de fazer os exercícios com ele. Não tive. Agora os livros estão aqui, não consigo ler, mexer, dar ou vender estes livros. As cartas estou fotografando e colocando no grupo da família para todos fazerem. Assim, minha mãe e os tios mais velhos entram na brincadeira.

Não tive a chance de fazer terapia ocupacional com meu pai. Mas sabe, fizemos tantas coisas juntas. Na adolescência eu saia demais com ele. Só eu e ele, gostava de ver ele trabalhar e sempre me levava em lugares diferentes para lanchar. Conheci todos os lugares que tinha comida vegetariana, natureba, todas as religiões, todos os templos e igrejas, livrarias. Sempre amei livros, sempre ganhava um. Nas lojas de música ele sempre me deixava comprar partituras para piano e flauta, livros de música. Meu maior incentivador.

Viajamos muito juntos, mesmo depois que eu casei ainda viajávamos todas as férias juntos.  Meus pais sempre gostaram do meu ex-marido.

Ai pai, eu te amo tanto. Me perdoa pelos momentos que perdi a paciência, não sabia que era demência, não sabia como agir, o que fazer. Quando soube o que fazer, como agir a Covid levou você de uma forma tão sofrida e triste.

Meu Deus. Que tristeza! Que dor!!!







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3 comentários:

  1. Receba meus sinceros sentimentos. Fiquei emocionada, com seu relato. Essa pandemia deixou marcas profundas na gente. Bom que você compartilhou conosco sua dor. É por isso que escreve tão bem, maior herança que seu pai poderia ter lhe deixado. Curta bastante sua mãe. Receba meu sincero abraço. Procure fazer terapia também, para não adoecer. Estimo melhoras. Muito triste esta notícia querida. E como vc é forte, para cuidar das coisas práticas. Um beijo afetuoso.

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  2. Força na caminhada!


    ass. 1/2 bipolar

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