Perdi
meu pai para a COVID
Meu
pai tinha problemas de saúde a tempos. Era cuidado por todos da família, na
verdade vivíamos para ele. Exagerávamos até. O geriatra dizia que ele tinha um
hárem, por isto não se esforçava e com isto os movimentos dele ficavam
prejudicados.
Depois
deste puxão de orelha, começamos a pedir que ele fizesse as coisas sozinho, era
lento, mas conseguia. Aí que percebi que quando eu estava perto dele, nem
colocar a própria meia ele colocava, eu corria, agachava e colocava. Por amor,
por estar com pena dos movimentos lentos e por causa da dor que ele sentia nas
mãos. Era por amor, mas o mimamos tanto que prejudicamos. Não me arrependo.
Durante
esta pandemia íamos menos. Fez muito mal para ele este isolamento. Teve piora
na parte cognitiva, minha mãe não tinha paciência. Mas eles se entendiam, este
irritar um ao outro era o que “animava” o isolamento. Teve cuidadoras nos
períodos piores, Home Care, tudo que podia. Mesmo irritando minha mão com sua
constante necessidade de atenção, todas as suas vontades e caprichos eram feitas.
Cuidamos
dos 2 como se eles fossem jóias raras, fizemos de tudo para eles não pegarem
COVID19. Mas... pegaram, não sei dizer como, temos suspeitas, mas não temos
como ter certeza. Na minha casa e na casa de uma das irmãs ninguém pegou, os
cuidadores e Home Care também não, Todos fizemos testes de sangue e PCR. Uma
irmã pegou e vários de sua família, Se pegou dos meus pais ou passou para eles,
nunca saberemos. Acredito que ninguém transmite esta doença intencionalmente.
Minha
mãe pegou e ficou assintomática. Meu pai foi definhando, início de tratamento
em casa, com vários médicos, enfermeiros, fisioterapeuta e cuidadores. Não
adiantou, teve de ser internado. Viveu rodeado de familiares e teve de ficar
sozinho no fim da vida.
Foi
horrível. Fui vê-lo todos os dias. Ficou na UTI 15 dias. Chegava, conversava,
contava as novidades, cantava, entoava mantras, colocava áudios de pessoas que
o amavam e gravaram para ele. Rezávamos muito. Ele sempre amou a Prece de
Cáritas, eu colocava para ele ouvir todos os dias, minha irmã gravou.
Ele
estava ligado a 7 máquinas, era dolorido ver, não parecia vivo, meu coração
doía muito. Todos os dias eu pedia para ele se libertar do corpo físico, aquele
corpo não tinha conserto. Prometi cuidarmos muito bem da minha mãe, que
estávamos em harmonia, contei que paguei as contas dele e que ele não devia
nada para ninguém, que ele podia partir em paz
porque ele tinha deixado uma família linda. Filhas e netos todos bem encaminhados
na vida. No 13º dia eu pedi para poder tocar nele. Deixaram, por eu ter tocado,
não pude pegar o celular para colocar a prece. Aí aconteceu algo diferente. A
psicóloga da UTI estava comigo no quarto, ela disse que sabia a oração de cor.
Fez a oração bem perto do ouvido do meu pai, uma lágrima desceu de seus olhos.
Ali soube que ele ouvia tudo que eu falava. Toquei nele, no peito, ele já tinha
a rigidez da morte. Conversei com o médico, disse que ele não estava mais
naquele corpo, pedi para não mantê-lo vivo só para sofrer.
O
Médico chefe da UTI nos chamou e falou que ele tinha horas, que não colocariam
drogas novas, manteriam tudo para dar conforto e esperar o corpo dele agir.
Talvez só 5% de chance.
Eu e
minha irmã íamos juntas, ela foi 8 dias, sempre tinha uma psicóloga
acompanhando, Não é permitido ir 2, mas abriram exceção porque todos naquela
UTI conheciam meu pai e nossa família de tantas vezes que ele esteve por lá. Minha
outra irmã foi mais no final, ia a tarde. Teve de esperar acabar o tempo de
isolamento, já que ela teve COVID19.
No 14º
dia ele teve a melhora da morte. Minha irmã empolgou, se iludiu e eu percebi e
só esperei. Não conseguia chorar.
No 15º
dia fomos pela manhã, a psicóloga entrou, fez a Prece de Cáritas e bambeou as
pernas, quase não conseguiu terminar, ela ficou emocionada. Eu vi que ele não
passaria daquele dia. Queria ter ficado com ele para ele não morrer sozinho. As
14 horas me ligaram, ele tinha partido, fui fazer a parte burocrática.
Viveu
rodeado de filhas e netas. Nunca tinha ficado sozinho. As vezes tinha tanta
gente por perto que ele perguntava se não tínhamos nada para fazer em casa. Queria
silêncio e sossego. Rsrsrs
Morreu
sozinho, em um lugar frio e impessoal. Foi cremado como pediu. Suas cinzas foram
jogados no Lago como ele pediu. Demorei uma semana para conseguir chorar. Ele
estava sofrendo tanto que quando ele partiu senti alívio por ele. Fui ver o
corpo antes de assinar a papelada e aquela imagem demorou a sair da minha
mente.
Agora
consigo lembrar só das coisas boas e engraçadas, seus ensinamentos, sua
sabedoria. Mas como dói, 22 dias sem ele. Dói saber que ele morreu sozinho, mas
eu fui visitar todos os dias no covidário. Entrei 15 dias em um covidário por
ele, por amor. Foi a coisa mais triste que fiz na vida.
Te amo
pai. Ele era meu confidente, eu contava tudo para ele. Era um bom ouvinte. Sua
voz grave e linda vai fazer falta.
Meus sentimentos, também perdi meu pai depois de mais de 10 anos de luta contra o câncer. Ele faleceu durante a pandemia em 2020 por por complicações da doença apôs ficar muito fraco. Se cuide, Deus abençoe e traga conforto a sua família. Agora apesar de toda saudade me conforta se saber que ele descansou e parou de sofrer!
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