Hoje estou chorando. Agora consigo lembrar do meu pai
andando saindo para se divertir com minha mãe, dirigindo. Ele passou
praticamente 20 anos em seu quarto. Saia só para ir ás consultas. Ia na
cozinha, na sala, antes de dormir rodava a casa toda para ver se estava tudo
fechado. Ele esperava deitarmos, aí só ouvíamos o barulho do andador. Se perguntávamos se ele estava precisando de
algo ele falava com aquele vozeirão: “Vai dormir”.
Eu estava
relendo minhas postagens. Chorei muito. Ele estava nos enlouquecendo nos últimos
anos. Tinha crises de demência pós cirúrgica e passou a ter um comportamento
diferente que nos enlouquecia. Perguntei várias vezes, para todos os médicos
dele se não era um início de Alzheimer. Todos falavam que não, que era da
velhice, ou da anestesia, que ia passar. Não passou.
Com a
pandemia, passamos a ajudar menos minha mãe. Meu filho trabalhando em lugar de
risco, eu ficava sempre com medo de ter sido contaminada, minha irmã também, e
ainda por cima ela estava cuidando dos netos porque as escolas estavam com
aulas online. Minha mãe ficou sobrecarregada, mas fisicamente, meu pai estava
melhor, ia ao banheiro sozinho, devagar, com andador... mas ia. Tinha a
empregada e às vezes , quando precisava, cuidadora. A sim, tinha os Home Care
que ia enfermeira, fisioterapeuta e médico vê-lo
Um dia eu dei
um ataque. Queria uma avaliação séria, precisa. Pagamos uma consulta com um
geriatra maravilhoso. Falamos para ele ir na minha mãe e fingir que tinha ido
visitar. Ele foi, achou meu pai bem e disse que a demência dele podia ser por
falta de beber água e por causa das infecções urinárias recorrentes. Examinou,
deu umas orientações e disse que voltaria para um retorno e reavaliar.
No retorno,
ele trouxe uns testes. Fez os testes no meu pai e eu fiquei chocada. As
respostas me fizeram chorar. A cabeça dele estava ruim. Ele achava que morava
naquela casa a 4 meses, queria voltar para a casa dele. Não soube fazer todas
as operações. Este teste é bem interessante.
Terminado os
testes o médico disse que ele estava no grau 2 do Alzheimer e que por meu pai
ser muito inteligente e culto, disfarçava e os profissionais não percebiam. Ele
conseguia disfarçar, substituir palavras que esquecia por ser um leitor voraz.
Chorei. Eu
sabia que ele estava demente, ninguém me ouviu. Aquele comportamento que nos
enlouquecia não era normal, não era meu pai. Tudo fez sentido. A gritaria, a
tortura psicológica que ele nos fez era da demência. Nos chamava sem parar para
nada, não nos deixava dormir, assistir TV, ler, nada. Precisava de atenção 24h.
Alzheimer provoca mudança de comportamento:
·
Dificuldade para tomar decisões;
·
Perda de interesse nas atividades que antes eram
prazerosas;
·
Mudanças de humor;
·
Alteração na personalidade e
·
Mudanças nas habilidades visuais e espaciais.
·
Pode ter alucinações;
·
Pode se perder até mesmo dentro de casa;
·
Repete constantemente as mesmas perguntas;
·
Apresenta agressividade;
·
Apresenta problemas de coordenação motora, que
acarretam em dificuldades para realizar tarefas simples e
·
Apresenta agitação constante.
Esta doença é triste. Começamos a perder meu pai antes do falecimento.
Mas tinha momentos lindos de
lucidez, conversávamos muito. Ele contou tantas histórias da adolescência, da
juventude dele para mim ultimamente.
Tinha interesse no que
estávamos fazendo. Sempre perguntava porque sumíamos. Eu explicava sobre a pandemia
de novo, toda vez. As vezes ficava irritado porque estávamos de máscara e ele
não entendia o que falávamos. Mas ao mesmo tempo ele tinha muito medo de pegar
Covid. Tinha dia que ele estava bem, mas ele chamava minha mãe uma 50 vezes por
dia (ela contou).
Toda hora ele gritava: _ Alguém?
Alguéém? Rsrs . Queria atenção e que arrumasse a TV. Ele a desconfigurava
várias vezes por dia,
Mas ele estava tão doce de
junho para cá. Ele sabia que morreria este ano. Eu acreditava, porque a cada
semana eu sentia ele mas apático. Dizia que não chegaria ao ano 2000. Eu falava
que estávamos em 2021 e ele assustava, sempre.
O pior é que eu quase não
estou enxergando, não consigo mais dirigir e tenho dificuldade para pegar Uber,
não enxergo a placa. Quando o carro para perto de mim, tenho que chegar perto
da placa para conferir. A noite é impossível. Então estou muito dependente do
meu filho me levar e buscar. Isto fez que eu fosse menos ainda ver meus pais
este ano. Quando eu dirigia, eu ia quase todos os dias. Pandemia mas dificuldade
de enxergar me fez ver menos meu pai
nestes tempos.
Quando meu pai foi
diagnosticado com Alzheimer, eu comprei 3 livros com atividades que eu faria
com ele para exercitar a mente e um baralho com exercícios diários para. Os livros chegaram no dia que descobrimos que
ele tinha pegado Covid. No meu coração eu sabia que não teria a chance de fazer
os exercícios com ele. Não tive. Agora os livros estão aqui, não consigo ler,
mexer, dar ou vender estes livros. As cartas estou fotografando e colocando no
grupo da família para todos fazerem. Assim, minha mãe e os tios mais velhos
entram na brincadeira.
Não tive a chance de fazer
terapia ocupacional com meu pai. Mas sabe, fizemos tantas coisas juntas. Na
adolescência eu saia demais com ele. Só eu e ele, gostava de ver ele trabalhar
e sempre me levava em lugares diferentes para lanchar. Conheci todos os lugares
que tinha comida vegetariana, natureba, todas as religiões, todos os templos e
igrejas, livrarias. Sempre amei livros, sempre ganhava um. Nas lojas de música
ele sempre me deixava comprar partituras para piano e flauta, livros de música.
Meu maior incentivador.
Viajamos muito juntos, mesmo
depois que eu casei ainda viajávamos todas as férias juntos. Meus pais sempre gostaram do meu ex-marido.
Ai pai, eu te amo tanto. Me
perdoa pelos momentos que perdi a paciência, não sabia que era demência, não
sabia como agir, o que fazer. Quando soube o que fazer, como agir a Covid levou
você de uma forma tão sofrida e triste.
Meu Deus. Que tristeza! Que
dor!!!